terça-feira, 24 de novembro de 2015

Mad Season - Above


Ano de lançamento: 1995

Felipe:
O rock n’ roll tem um histórico considerável de chamados “supergrupos” formados por integrantes de outras bandas já renomadas. Do Cream ao Dirty Mac; de Crosby, Stills, Nash e Young ao Rockestra ou aos Traveling Wilburys, toda fase do rock já teve grandes heróis reunidos numa espécie de versão junkie dos Superamigos.

No que diz respeito ao grunge, o supergrupo mais conhecido é o Temple of The Dog (Pearl Jam e Soundgarden reunidos numa homenagem ao vocalista do Mother Love Bone, morto por overdose de heroína). Mas foi o Mad Season que lançou um dos álbuns mais subestimados dos anos 90: Above, de 1995.

Quando Mike McCready, guitarrista do Pearl Jam, foi internado numa clínica de reabilitação, conheceu um músico local chamado John Baker, com quem passou a fazer jams. Logo, convidou o baterista do Screaming Trees, Barret Martin, e o vocalista do Alice in Chains, Layne Staley, que também pelejava contra seu vício heroína, para formarem o Mad Season. O nome da banda faz referência à época do ano em que os cogumelos alucinógenos florescem com abundância, para a alegria dos entusiastas da psicodelia advinda da matéria fecal bovina.

E é isso mesmo que o Mad Season era: um supergrupo de drogados da pior espécie, que talvez só encontrasse paralelo na lendária Whores of Babylon, banda formada por Johnny Thunders, Stiv Bators e Dee Dee Ramone e que, obviamente, não deu certo. Se bem que a linha de frente do Dirty Mac (Clapton, Lennon e Keith Richards) também é um case de sucesso no abuso de substâncias derivadas do ópio.

Apesar de tudo, a banda criou um som de altíssima qualidade, misturando blues, hard rock e a tortura que habita a alma de todo grunge que se preza. Seu único álbum de estúdio é a pérola obscura de uma década que virou a música de cabeça pra baixo.

Wake Up e River of Deceit são duas faixas muito bonitas, apesar de mortas. I Don't Know Anything e Lifeless Dead, mais agressivas, dão uma acordada no ouvinte. I'm Above parece Led Zeppelin e conta com participação do vocalista do Screaming Trees, Mark Lanegan, assim como a estranha Long Gone Day, com instrumentos e levada atípicos do grunge.

Uma versão especial de Above ainda traz faixas ao vivo e uma releitura fodidamente boa de "I Don't Wanna Be a Soldier", de John Lennon. Não tem como deixar de mencionar as guitarras de McCready no álbum, que o elevam ao posto de um sucessor legítimo de Hendrix, solando uma stratocaster cujas notas parecem sair literalmente de sua alma.

Numa análise geral, o som se afasta do peso quase metal do Alice in Chains e do groove psicótico da primeira fase do Pearl Jam. Misturam canções tranquilas e blues sujos e até arriscam um saxofone. As letras de Staley são autobiográficas e deprimidas, falando de negação, abandono, suicídio, solidão e desapontamento. “Minha dor é por opção própria”; “O rio da decepção puxa tudo pra baixo”; “Por que temos que viver em tanto ódio todo dia?”; “Eu não sei de nada, eu não sei quem eu sou”; “Suicídio lento não é a forma de tudo acabar” e “Por um pouco da paz de Deus você suplica e implora” são alguns versos que ouvimos em Above. 

Muita gente se pergunta: do que essas bandas tanto reclamavam? Afinal, trata-se de uma geração que não viveu uma guerra mundial, não passou por situações extremas como racionamento de comida e mal tinham saído das fraldas quando o planeta correu o risco real de ser dizimado por uma guerra nuclear.

Sua insatisfação era outra, diferente, por exemplo, da dos punks. Se Ramones, Clash, Pistols e Dead Kennedys faziam música para outsiders, o grunge era escrito para pessoas socialmente incluídas, mas que ainda se sentiam insatisfeitas. As canções traziam umanecessidade de descobrir onde foi que a sociedade errou e o motivo de não viverem o que lhes foi prometido.

Sem ter a pretensão de aprofundar sociologicamente no assunto, é preciso lembrar que esses caras nasceram nos anos 60. Seus pais foram os babyboomers, nascidos na euforia do final da Segunda Guerra e adultos em meados dos anos 60 e 70, época do auge do rock, quando a música tinha relevância para tentar corrigir os erros do mundo. Em seguida, esses pais cresceram e deram ao mundo anos de Nixon, Reagan e Bush.

Buscando muito superficialmente alguma razão pra essa epidemia de jovens depressivos, é óbvio que a geração dos anos 90 cresceu em meio a essa falha na revolução proposta pelos pais, a uma sociedade conservadora e a uma exposição midiática repleta de produtos culturais cretinos. E se sentiu traída.

O grunge, até sem perceber, falava dessa experiência e tentava lidar com o sentimento de despropósito com as coisas ao seu redor, por meio de músicas niilistas que celebravam a própria dor, assim como fizeram antes os pós-punks da não menos nublada Inglaterra. Some tudo isso ao tédio, ao clima sempre chuvoso de Seattle (índices de suicídio são sempre maiores em locais de clima ruim) e muitas drogas e você terá uma combinação letal.

Tão letal que o Mad Season acabou em 1999, com a morte de John Baker. Em 2002, seria a vez de Layne Staley, ambos por - uma agulha, uma seringa e uma colher pra quem adivinhar - overdose.

Nota: 9/10



Rafael:
Ao mesmo tempo que o Pearl Jam atingia seu auge criativo, de sucesso e aclamação da crítica em 1994 com o álbum “Vitalogy”, as sessões de gravação foram tensas o bastante para quase acabar com a banda na época. O guitarrista Mike McCready abusava das drogas e do álcool e se viu forçado a ir para um clínica de reabilitação em Minneapolis. Lá conhece o baixista John Baker Saunders, músico com tradição no blues e que passou por diversas bandas do estilo na cena de Chicago. Compartilharam na “estadia” na clínica gostos musicais em comum, como o apreço pelo rock clássico, e ,principalmente, pelo Blues do Delta do Mississipi. Esta era a centelha necessária para a formação do Mad Season. McCready chamou ainda seus amigos da cena de Seattle Layne Staley, do Alice in Chains, e o baterista do Screaming Trees, Barrett Martin. Layne era conhecido na cena pelo seu abuso de drogas e McCready acreditava que seria importante ter pessoas nas mesmas condições para ajudar na recuperação mútua.

Mais que um supergrupo, como era alardeado à época, Mad Season era uma terapia de grupo em forma de banda. Era de se esperar um amálgama do som de todas as bandas originais, mas não é isto que acontece em Above, único disco de estúdio do grupo. Há apenas um fiapo de referência ao grunge nas dinâmicas contrastantes de algumas músicas. No mais, musicalmente o álbum é construído sobre uma base sólida de blues, o estilo que McCready e Saunders tanto veneravam. O andamento do disco é lento, cadenciado, opressivo.

As canções são lamentos sombrios do âmago da natureza humana, um expurgo dos sentimentos negativos que dominavam não apenas àqueles da “terapia de grupo” mas também da Geração X, que sempre se via desiludida e apática à uma sociedade que não lhes correspondia. As letras, todas escritas por Layne, tem grande semelhança com o niilismo e o tom depressivo do Alice in Chains.

No entanto, nas anotações sobre a edição “Deluxe” de Above, em 2012, o baterista Barrett Martin dá outra visão do que foi a concepção do álbum e das pessoas ali envolvidas. Apesar de toda escuridão e sofrimento em suas letras, Layne não possuía apenas este lado sombrio. “Layne sentia profundamente que ele tinha uma mensagem espiritual para passar em sua música, mesmo se suas letras fossem sombrias. E isto ocorre porque a escuridão deve existir primeiro para que a luz surja em contraste à ela; os dois são partes inseparáveis de um mesmo contínuo”, apontava Martin, que ainda via que Staley “...existia numa realidade entre escuridão e luz, um lugar em que ele via ambos". Ele relatava com carinho também de sua relação com John Saunders, a pessoa que ao mesmo tempo puxava a banda para o peso e lamento do blues, mas que era uma pessoa dócil, gentil e de boas histórias sobre sua vida no mundo da música.

Esta visão de Martin faz rever o que algumas músicas podem significar realmente: do que parece ser um chamado ao suicídio em “Wake Up” pode ser um chamado para levantar a cabeça e seguir em frente; as mentiras e decepções em “River of Deceit” tem o ímpeto pela busca por sua verdade; “I´m Above” parece uma queixa pelo que passou, mas é uma afirmação positiva por um futuro melhor; “Long Gone Day” é uma súplica de rendenção aos céus, não uma desistência.

A nota triste é que sabemos que nem Staley, nem Saunders, conseguiram vencer seus demônios interiores, sua escuridão. Ambos sucumbiram ao vício em drogas, Saunders em 1999, Staley em 2002, mas deixaram em Above um testamento não para a entrega para a escuridão, mas para tentar enxergar e aceitar a luz, assim como dizem em “Long Gone Day”: “Eu temo novamente, como outrora, eu me perdi e peço a Deus que traga meu dia ensolarado”.

Nota: 9/10






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