sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Sly & Family Stone - Greatest Hits


Ano de lançamento: 1970


Rafael:
Aposto que, assim como meu comparsa de blog, você, nobre leitor, deve estar se perguntando porquê escolher uma coletânea para ser resenhada aqui.

Coletâneas vêm e vão, sempre são "atualizadas" e são utilizadas na maioria das vezes pelas gravadoras como caça níqueis fáceis de capitalizar sobre fãs ardorosos e aqueles "que gostam daquela música que toca na novela" e que querem só ouvir os grandes hits que tocam na rádio.

Com esse Greatest Hits do Sly and Family Stone não é diferente. Elaborado para cobrir um período em que não sairia material novo após o sucesso estrondoso de Stand! em 1969 e a apresentação monstruosa do grupo em Woodstock, essa coletânea tinha a intenção puramente mercadológica. Pode ser o alinhamento dos astros no dia da seleção das músicas ou simplesmente era a nata da produção artística de Sly and Family Stone à época, mas, de um propósito comercial, surgiu uma obra de alto valor artístico.

Para quem não conhece, Sly and Family Stone era a epítome dos ideais hippies e de Martin Luther King em forma de banda e música: um grupo multi-racial (o primeiro no universo pop) que fazia uma mescla perfeita de rock, psicodelia, soul, funk. E mesmo tendo músicas de clima otimista e felizes, sempre levavam mensagens de conscientização social e política.

E em Greatest Hits encontramos a sumarização perfeita dessa primeira fase da banda. Ou melhor ainda, julgo este ser o disco perfeito para uma festa. Tendo início no arrasa quarteirão de "I Want to Take You Higher", o ritmo dançante só desacelera para baladas " inevitáveis " como a singela "Everybody is a Star", a humanista "Everyday People" e o doo wop com clima de um parque sábado à tarde de "Hot Fun in The Summertime" (uma resposta velada aos incidentes raciais em 1968).

Há ainda o ar épico que culmina num gingado funk em Stand!, a obviamente dançante (e empolgante! Sério, duvido que você não mexa nem um dedo ao ouvir) "Dance to The Music" e a primeira incursão do grupo no deep funk em "Thank You (Fallentime Mice Elf Again)".

É neste álbum que terminava, também, o grupo como todos haviam aprendido a amar e, dentro de um ano o que se ouviu em "There's a Riot Goin On" era a total negação do clima festivo, da celebração da vida e da comunhão entre as pessoas em prol de um mundo melhor. Era outro clássico que se descortinava ali, um tapa na cara pra encarar outros tempos menos coloridos.

Mas em tempos sombrios e opacos como este em que vivemos é fundamental ouvirmos esse Greatest Hits e lembrarmos que a vida pode ser mais simples, a felicidade pode ser contagiante e a utopia por um mundo melhor, é necessária e pode deixar de ser utopia um dia.

Nota: 10/10



Felipe:
Enquanto coletânea, Greatest Hits supostamente traz um apanhado do que o Sly and the Family Stone produziu de melhor até 1970. O grupo de soul psicodélico e funk liderado por Sly Stone poderia ter sido o que o MC5 foi nos anos 70 e o Rage Against the Machine foi nos 90’s. Potencial eles tinham. E meio que acabaram sendo. No entanto, não é exatamente isso que Greatest Hits nos apresenta.

Geralmente, o nome da banda vem associado ao álbum seguinte, o mais obscuro There’s a Riot Goin On, resposta raivosa e sagaz para a pergunta que dá título ao clássico álbum de Marvin Gaye, What’s Goin On, lançado poucos meses antes. Sim, havia uma revolta rolando, e o Family Stone era parte legítima da série de ícones culturais do movimento negro norte-americano, numa época em que a sociedade estava em ebulição como uma banana de dinamite nuclear, cujo pavio se aproximava rapidamente do fim.

Havia o Partido dos Panteras Negras - organização política extraparlamentar (paramilitar?) socialista revolucionária norte-americana, ligada ao nacionalismo negro. Luther King havia sido assassinado há pouco. Na última edição das Olimpíadas, dois atletas negros norte-americanos, após receberem suas medalhas no pódio, levantaram os braços esticados com as mãos cobertas por luvas negras e punhos fechados (a saudação black power dos Panteras Negras), em protesto pela segregação racial e apoio aos movimentos negros, e abaixaram a cabeça enquanto seu hino nacional tocava no estádio, sendo expulsos da delegação americana após o ato.

O super-herói Luke Cage, nascido nas ruas do Harlem e ex-membro de gangue, logo seria criado pela Marvel Comics, que já tinha seu representante do movimento, o herói Pantera Negra, príncipe regente do reino africano fictício de Wakanda e membro dos Vingadores nas horas vagas. A treta entre brancos e negros, que se arrastava há tempos, inspirava todo tipo de lunáticos, terroristas, psicopatas e racistas. Charles Manson acreditava que os Beatles incitavam uma guerra racial em Helter Skelter, e cometia assassinatos brutais em nome da "causa". Enfim, os EUA viviam um "caos total" e os negros já não pensavam duas vezes antes de se levantar e partir pra briga quando oprimidos.

Mas o que podia ser um RATM sessentista, espécie de MC5 negão, até então seguia um caminho mais ensolarado e hippie. Em Greatest Hits, a utopia musical de Sly Stone – e Luther King e Xavier - com uma irmandade interracial convivendo pacificamente num grupo formado por homens e mulheres, brancos e negros, está mais pra uma cena gigante de Hair.

Misturando as batidas mais pesadas de funk com a psicodelia paz e amor típica do final dos anos 60, Greatest Hits soa datado. Aos meus ouvidos não envelheceu muito bem, diferente de coisas parecidas, como James Brown, Otis Redding e Tim Maia.

Apesar disso, o disco tem grandes momentos, como Thank You (Falettinme Be Mice Elf Agin). Confesso que levei uns dias pra entender a viagem do título. Inicialmente, achei que pudesse ser um dialeto africano, sei lá, mas é um tipo de spoken english pra “for let me be myself again”. Admito minha burrice.

Mesmo sendo uma coletânea, o disco entrou na lista dos 500 maiores álbuns de todos os tempos da Rolling Stone, ocupando o número 61. E como qualquer coletânea, vale a pena pra quem pretende começar a conhecer o grupo.

Nota: 7/10





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